quinta-feira, 22 de julho de 2010

Um Tabu


Final de semana passada, após conversa com o Marcelino, refleti bastante sobre uma questão abordada durante a ligação. Após ele contar sobre a prisão e toda aquela polêmica aterrorizante, procurei um assunto mais ameno para falar com ele e infeliz fui contar-lhe que havia encontrado na academia com o Dragão:

- O Dragão! Aquele seu amigo que gostava de coitos a três, ele, o namorado e algum convidado especial. Meu deus! Onde esse mundo vai parar!

- Ah sim! Mas não tem nada demais nisso não! Eu faço com meu namorado também! É para apimentar a relação.... Mister Thinker?

Por cinco minutos fiquei mudo no telefone tentando entender a logística de tal ação, com o intuito de apimentar o relacionamento, e ao mesmo tempo procurava por algum assunto evasivo, a fim de evitar deturpações mentais que viriam a me afetar durante e após tal conversa. Perdi as estribeiras e entrei em estado de estupor, percebendo isso tudo ele tentou se justificar dizendo que relacionamento gay era assim mesmo, que no fim, se eles não fizessem isso, acabariam um traindo ao outro sorrateiramente e por fim terminariam o relacionamento devido a desgastes e rotinas severas - Que relacionamento?

Tentei me acalmar, juro que fui ao inferno e puxei a mão da alma mais profunda do mar de larva existente, a procura entendimento e paciência, mas não deu certo, a cada palavra que falava eu ficava mais revoltado. Para mim era uma desculpa esfarrapada, “conversa para boi dormir”, “papo de aranha”, tudo para acobertar a falta de pudor que a vida lhe trouxe e ele aceitou de “bandeja”.

Fiquei imaginando eu e o Fotógrafo acompanhados por outro homem, beijando e executando ações sexuais. Senti um fervor em minhas bochechas, minhas mãos se fecharam involuntariamente e tremiam feito folha perante refegas de ventos, era um acesso colérico que brotava dentro de mim, me deixando azedo como o tamarindo mais “verde” que já comi na infância.

Marcelino alegava que se tornara assim devido às decepções anteriores, disse que após um ano e meio de relacionamento com os rapazes, sempre “caia” no tédio - Mesmo corpo, mesma ação de sempre -, e se esse tédio não fosse contido, se transformava em traição que, consequentemente, acarretava em mentiras e término. Também falou que homem é muito sexuado e que quando saísse sozinho em algum momento, ficaria interessado em outro cara e acabaria em uma relação casual. Assim, melhor era compartilharem, os dois, de um terceiro homem juntos, a um enganar o outro - ?????

Questionei se ele realmente amava esse cara, pois não achava certo isso e para mim o conceito de amor deles havia caído por terra a partir do momento em que começaram a aceitar e a se submeterem a estas coisas. Ele afirmou, conceituou “amor” e proferiu que carne e osso não têm nada a ver com o sentimento deles, faziam aquilo por necessidade de possuírem corpos alheios com o intuito de diversão e satisfação carnal, e frisou que antes, durante e após os encontros, eles se amavam da mesma forma.

Meu Deus! Fiquei chocado com a frieza mundana que Marcelino tratava o assunto! Para ele era tudo completamente normal! Mas como poderia ser? Imaginem! Meu namorado transando com outro cara e eu junto, apoiando moralmente e ajudando no processo! O cara que eu amo com outro! Meu Deus! E depois? Como conseguiria olhar para cara dele?! - Respira, respira, respira Mister Thinker, você é melhor do que isso!

Não acho que esteja preparado para aceitar isso e só de pensar me causa um aperto no peito e uma falta de ar agonizante. Mas sabe? Infelizmente relacionamento gay não tem muita durabilidade, a maioria se deixa corromper por um pedaço de bife novo que aparece momentaneamente em suas vidas, um encontro casual que provavelmente não resultará em nada além da excitação, do orgasmo temporário. Talvez isto aconteça por não existir algo sólido que “impeça” a separação, que imponha a responsabilidade, que torne a união sólida e mais séria do que realmente aparenta ser.

Posso a firmar que delirei na conversa dele, pensei muito enquanto falávamos, falei alto, me alterei, pois era algo contra mim, ofensiva, que de alguma forma ele queria que eu aderisse e fizesse isso no meu relacionamento, pois julgava ser a única solução para o tédio. Por um momento me deu vontade de sair correndo para qualquer lugar do mundo que não fosse gay, alguma ilha abandonada para viver de sombra, água de côco e pescaria. Mas logo percebi que estava padecendo por antecipação, que nem havia acontecido nada e eu já sofrera graças à empatia pelo caso delatado.

Pensei...

- Mister Thinker? Você está bem?

- Sim TrocaTapa, estou numa “nice”...

domingo, 18 de julho de 2010

A Segunda e Fantasmagórica Ab-Reação


Antes de narrar mais uma ab-reação fantasticamente mesquinha, gostaria de fazer uma ligeira pergunta: Quando um pequeno grupo de gays acha um lugar reservado, o que vocês acham que eles fazem com o ambiente? Resposta: eles fazem do lugar uma danceteria ou um lugar para sexo casual. Coisa que aconteceu com o banheiro de uma destas redes de lanchonetes “fast food” - Literalmente! - aqui em Belo Horizonte. Estava eu fazendo um lanche “familiar” sozinho e ai, após o termino do mesmo, resolvi usar o banheiro, ao abrir a porta percebi que três caras masturbavam uns aos outros. Quando perceberam minha presença, dois se intimidaram e foram para um dos boxes com privada e o outro, sozinho, começou a me encarar. Constrangido ao extremo e vergonhosamente com as bochechas ruborizadas, sai “apertado” daquele lugar à procura de um recinto sutil e descente a fim de desprezar a diurese com êxito.

- Porque a maioria dos gays fazem isso?

Sexta feira à noite recebi uma ligação que me deixou realmente absorto, não esperava tanta franqueza e tragédia proveniente de uma única pessoa conhecida. Foi por volta das 19 hs, eu estava a mercê de sair de casa destino à academia, quando Marcelino TrocaTapa me ligou para conversar coisas casuais e para saber algumas novidades a mais que não havíamos compartilhado na última e infeliz ligação. Conversamos sobre o tempo, alguns antigos amigos desaparecidos, sobre sua família e outros assuntos banais, porém, percebi que sua voz estava muito triste e ele parecia dopado. Curioso, resolvi perguntar o que havia acontecido. Foi como uma bomba estourando ao lado do meu ouvido esquerdo, fiquei muito triste com tudo que ele disse.

Confessou-me que há um tempo virara sócio de uma mulher que havia conhecido a pouco e a mesma havia extraviado dinheiro, dado diversos golpes na “praça” e desaparecido com tudo, como ele era o sócio dela, as pessoas começaram a cobrar dele o rombo dado pela “dita cuja”. Disse que no dia em que ele havia ido para Brasília a trabalho, chegando ao hotel onde havia feito reserva, era aguardado por diversos policiais que deram voz de prisão ao mesmo, porém, ao invés de levarem-no para a cadeia, parece que fizeram algumas coisas que aqui não relatarei e depois sim o enjaularam semi nu durante cinco dias na prisão acompanhado por diversos detentos, sem direito a comunicar com seus pais ou qualquer outra pessoa. Chorou muito durante os dias lá e quando completou o quinto eles resolveram deixá-lo ligar para casa. Seu tio, que é um dos “chefões” de determinada entidade pública, conseguiu uma forma de solta-lo mais rápido, porém não ficou imune ao tal do habeas corpus, então, pagando uma fortuna para advogados e afins. Parece que ele perdeu quase tudo que tinha, dinheiro, emprego, dignidade e sanidade mental, pois, iniciara um tratamento medicamentoso (Midazolan, Amitriptilina e Diazepan) devido ao desenvolvimento da tal síndrome do pânico.

Ele ficou bem chateado ao contar estas coisas para mim, e para piorar ele disse que merecia tudo aquilo, pois confiava demais nos outros e era muito bonzinho, sempre ajudando. Entrou também no assunto sobre nosso termino, disse que no relacionamento seguinte ao meu, com o sapateiro, sofreu muito, já que ele fez o mesmo que o Marcelino havia feito comigo, o trocou por um par de pernas semi-perfeito graças à insistência de seus “amigos”, digo os “amigos” do Marcelino, os mesmo que insistiram para ele me trair com o Sapateiro. No relacionamento seguinte a este foi muito conturbado também, o cara era estrangeiro e adorava badernas, disse que ele colocava fogo no carro, quebrava porta de danceterias, aprontava o “diabo a quatro” na rua com o Marcelino. E por fim, seu namorado atual, cujo nome é o mesmo do Fotógrafo - Mera coincidência mundanamente sacana -, recentemente o abandonara, indo morar em outro país. “Eu sei que mereço tudo isso, acho que paguei e pago por cada leviandade que fiz com você, Mister Thinker”, disse ele.

Mais uma ab-reação fantasmagórica que me arrepiou dos pés à cabeça. Confesso ter ficado muito triste com tudo que me contou, imaginei ele chorando na prisão, a humilhação passada, os traumas que adquiriu naquele momento e o desespero que ele deve ter sofrido. Quem sou eu para julgar o que ele merecia ou não pelo que fez comigo...

Assim que desliguei o telefone, sentei na cama horripilado e pedi perdão a Deus por tudo que um dia havia desejado ao Marcelino TrocaTapa.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Meu Caminho


Durante a semana seguinte à ab-reação pitoresca, eu já havia retornado ao meu caminho, onde o Sol começava a brilhar novamente no horizonte, as folhas estavam mais verdes que na vida real, onde eu me sentia mais seguro que em qualquer lugar do mundo. Fiquei mais feliz ao sentir o ar um pouco mais quente, a brisa relativamente fresca em minha pele, os meus machucados nos pés menos latejantes e cicatrizando a cada passo dado.

Achei que havia tomado a decisão certa em largar aquele pássaro seguindo seu estúpido caminho.

Mantive-me ocupado durante boa parte do meu trajeto, pelo menos fisicamente porque minha mente não estava ali, definitivamente não parava de pensar no pássaro, por maior que tenha sido a sua ausência durante o nosso percurso juntos, eu sentia falta dele. Sua forma de escorar-se em meu ombro, seus assovios, seus vôos ao meu redor, sua forma de me fazer sorrir. Acho que não queria ficar sem ele.

Não demorou muito até que outros pássaros, já conhecidos, viessem voar ao meu redor, procurando algum alimento. Por um curto prazo de tempo pensei em deixá-los me seguir, quem sabe em meu ombro? Mas logo desisti e espantei todos os lindos quatro passarinhos para longe, não valiam a pena.

Passados mais alguns poucos dias, por volta do alvorecer, o pássaro surge em meio às nuvens e desce rapidamente, pousando em meu ombro. Parecia ofegante, se é que pássaros ofegam, olhou para mim, que assustado parei e enigmaticamente o encarei. Senti que ele queria falar algo, mas como seu vocabulário era outro, apenas através do assovio ele poderia se expressar. Já sabendo o que ele queria, resolvi levá-lo adiante, mas desta vez em meu caminho.

domingo, 4 de julho de 2010

A Primeira Ab-Reação


Ainda no domingo que havia terminado com o Fotógrafo, após escrever e postar o texto anterior, resolvi sair de casa, estava desapontado, precisava ver pessoas, beber um pouco e pensar em alguma coisa que não fosse essa situação. Fui com a Lesada para um dos bares que mais gosto de freqüentar em Belo Horizonte, o Liberdade, e após, resolvemos estender nossa conversa e processo social em um “pseudo bar” dançante, onde tinha o costume de ir com a Afrodite.

Mesmo envolto por pessoas, eu ainda estava sentindo alguma coisa muito estranha dentro de mim, um aperto no peito, um sentimento de perda, grande ou pequena, era alguma perda. Engraçado, toda vez que termino, gostando ou não do par, normalmente eu tenho esse sentimento, como se fosse um livro que após se conhecer grande parte do conteúdo (intimidade), o mesmo é fechado, colocado na prateleira de uma biblioteca portadora de milhares de exemplares e deixado ali, sujeito à exposição para outro alguém. Tudo bem que o livro acrescenta muita coisa na vida do leitor - Querendo ou não, acrescenta sim!-, porém, sabe-se que seu conteúdo, talvez nunca mais seja violado, e, definitivamente isto é triste! - Não o livro, digo em se tratando de pessoas. Nunca fui um cara que soube lidar muito bem com as “perdas”, imaginem: você se entrega na íntegra a uma pessoa, expõe sua intimidade mais profunda e quando o relacionamento finda, cada um vai para o seu caminho e simplesmente se esquecem, ou fingem esquecer o que foi vivido,muitos momentos que até então foram julgados como especiais. Aí, num quarteirão posterior do caminho de ambos, surgem novos parceiros, em que a intimidade novamente é entregue, levando a uma rotina amedrontadora.

Os rapazes que tentavam uma conversa semi-amistosa comigo, saiam pouco constrangido, eu os tratava com suprema hostilidade, a ponto de ficarem sem palavras perante as minhas citadas.

Por volta das oito da noite, no auge do local, vi um homem com o rosto conhecido em meio àquela multidão. Olhei uma vez e não lembrava bem quem era, mas quando ele me percebeu o olhando, sorriu e olhou diretamente nos meus olhos. Sim, soube naquele momento quem era ele, a Piranha do Banheiro. Instantaneamente disfarcei o olhar surpreso com um sorriso discretamente torto para a Lesada e informei-a sobre tal presença.

Ele estava muito bonito, havia se transformado de acordo com a gravidade terrestre, vestira uma blusa azul escura, calça jeans e tênis, estava mais velho, seus cabelos estavam castanhos e um pouco grisalhos, aumentara bastante sua massa muscular de forma geral e seu sorriso permanência o mesmo, bonito e tentador.

Conversamos, inicialmente, assuntos aleatórios que não se sustentavam por muito tempo, já que o nosso interesse era ouvir outras coisas. Provavelmente no início ele se se intimidou em tocar no assunto pendente que havia comigo pela presença da Lesada, pois, quando ela saiu de perto ele logo começou a falar. Disse que eu era a única pessoa que ele tinha vergonha de olhar nos olhos, que na época em que havia me magoado era porque ele queria sentir-se sozinho, já que acabara um relacionamento de forma conturbada, mas que em momento algum jogou sujo comigo, sendo sincero - Não entendi bem esta parte, pois, se ele não tinha coragem de olhar em meus olhos era por ter convicção de que em algum momento teria feito algo não muito memorável comigo. Elogiou-me muito, disse que eu estava maduro, interessante, bonito, que meu corpo havia se desenvolvido... - Ignorei esta parte. Enfim, falou muita coisa que me deixou estático, principalmente a parte que queria ter um relacionamento comigo, que naquele momento estava preparado para tal, já que ficara quatro anos solteiro, “vivendo pelos cantos”.

Embora ele fosse um homem estável, bonito, independente e sua família pouco se importasse com sua peculiar vida idiossincrática sexualmente prometida, não “caí” muito na dele, acho que falara tudo isso por perceber que estava a mercê da velhice, que não se sentia mais o cara de antes, procurando, então, por estabilidade, ou não, vai saber... Além do mais, ele vivia no mundo de uma forma não muito amistosa, percebi que ele era usuário de maconha e através de seus tragos, entrava em um mundo que não deveria visitar. Assim, resolvi não seguir a conduta "normal" da humanidade que em vez de tapar os buracos da vida, os cultivava para viver dentro.

Por fim, senti um peso a menos em meus pensamentos, uma ab-reação fantasticamente executada em meu inconsciente, qualquer trauma causado por ele em minha vida havia se dissipado naquele momento, transformado em ar, que pelas minhas orelhas escaparam fervorosamente. Percebi que após nossa conversa, não sentia mais nada ao pensar nele, revolta, raiva, mágoa, seja lá o que for, apenas vinha à tona um sentimento de pena, um homem muito bonito, simpático, relativamente inteligente que perdera oportunidades e parte de sua existência em uma vida mundana, sem limites e de juventude que não deveria existir, já que portara seus quarenta anos de idade.