domingo, 19 de fevereiro de 2012

Descrente


Ainda não acreditando na morte do meu melhor amigo, contatei sua irmã que encontrou comigo rapidamente para me entregar as chaves do apartamento dele que ainda não fora vendido.

Graças às pastilhas de freio do meu carro cheguei lá em poucos minutos freando o carro bem na porta da garagem do seu prédio. Entrei sem cumprimentar o porteiro e subi pelo elevador ansioso em encontrá-lo no apartamento sorrindo como somente ele fazia ao me olhar. Hesitei por alguns minutos em abrir a porta. Não havia qualquer barulho proveniente daquele lugar, acho que nem dos visinhos eu conseguia escutar nada.

Abri a porta e entrei de uma só vez, porque coragem eu não tinha em encarar a verdade ao pensar em tudo. Seu apartamento permanecia intacto, o copo usado no braço do sofá branco de couro, os filmes que ele adorava ver estavam desencapados na mesinha da sala... Hedwig, Antes do sol Nascer, antes do sol se por, todos estavam ali e provavelmente participaram de seu último momento naquele lugar. Que angústia! Confesso ter chamado seu nome duas vezes para ver se ele aparecia de algum quarto ou da cozinha com seu avental gozado que eu sempre o atormentava chamando-o de “mulherzinha”. Nada, apenas ecos de meus passos e o fundo da minha respiração.

Entrei no seu quarto e vi o edredom branco embolado na cama, como se ele tivesse passado a pouco por ali, seu cheiro ainda pairava nele. Lembrei dos nossos momentos juntos como amigos, bagunçado a cama com guerra de travesseiros, parecíamos duas crianças tolas apenas curtindo o momento...

Não acredito...

Sentei na cama e as lágrimas desceram incessantemente. Sem um grunhido de minha parte, apenas o ranger da cama, eu levantei e abri seu guarda roupas. Suas roupas estavam organizadas, dispostas em cores, como eu costumava fazer. Observei que havia uma caixa bem acessível, de madeira negra como o fechar dos olhos em uma noite sem lua. A abri e desmoronei ao ver suas fotos de infância, desde pequeno ele era lindo, nunca havia visto isto antes, ele na escola com a mãe, em uma praia junto de adolescentes, algumas fotos nossas da época em que nos conhecemos, há dez anos atrás... Consegui resistir, não usurpei nada daquela caixa de lembranças, sabia que não iriam me fazer bem, recoloquei-a no armário e sai em direção aos outros cômodos. Ainda com o coração na mão e mente lá no céu, que por sinal havia tomado meu amigo de mim...

Sem sentir, me vi na cozinha e ele lá na beira da pia secando os talheres do jantar que eu havia feito, sua comida predileta era Penne com qualquer condimento e anexo que viesse, poderia ser chuchu ou quiabo que ele engolia tudo com um rosto delicioso de satisfação.

Quase entrando em desespero e perdendo a sanidade mental naquele instante, sentei-me no sofá meio zonzo e me acomodei, tentando não deixar aquilo tudo ser vomitado, eu a “seta do f%#@*” e largar toda a minha vida, viver sem destino e sem qualquer contato com o resto do mundo.

Ao me acomodar no sofá, acho que apertei o controle do som e começou a tocar a m$@*¨a da música do OASIS – Stop Crying your Heart.O som estava alto demais, como ele sempre ouvia! Assustado e impressionado com tudo o que vi, chorei impiedosamente, de desespero, de tanto segurar na frente dos outros, de ter fervorosamente omitido a morte do Cara para o Husky e de quando eu o contei, ter feito a feição de indiferença e saído de perto de mim sem a menor consideração. Não estava creditando em nada que acontecera, não era possível, meu amigo, o único que me escutava, que vibrava por minhas vitórias e não as levava como disputa, quem me acolheu em quase todos os momentos ruins de minha vida, morto.

Antes de terminar a música e tudo isto acabar comigo de uma vez por todas, desliguei o som e corri para a porta soluçando. Que vergonha! Ao abrir a porta estavam lá sua irmã e seus quatro vizinhos aterrorizados, parece que iam arrombar a porta achando que eu iria me acabar lá dentro. Por um momento abaixei a cabeça, arrumei o meu cabelo que estava alvoroçado, enxuguei as lágrimas e voltei a minha forma de sempre, fingindo que estava tudo bem, como sempre.

- Eu acho que apertei algum botão errado que ligou o som e fez isto tudo. Desculpem.

Os vizinhos já me conheciam de outros verões, sabiam o quanto eu gostava do Cara e vieram todos me abraçar, não consegui conter algumas lágrimas que escaparam de vez. Mesmo assim mantive o ar gélido, fingido e esbocei um leve sorriso inchado naquele hall de entrada dos horrores na porta dos apartamentos deles. Sua irmã envolveu seu braço em meu ombro oposto e silenciosamente desceu de elevador comigo, fomos até o meu carro calados, ela, apenas entendendo que perdi alguma coisa que ninguém nunca mais me reporá e eu, percebendo que perdi para sempre o Fernando, O Cara que nunca mais terei em minha vida.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O "Nosso" Lugar


Na segunda feira passada tive uma notícia que realmente me arrasou... Definitivamente não pude acreditar.

Derretido de emoções, devido a problemas “pouco passados”, e vendo a necessidade de contá-lo que estava certo, fui a casa do Cara. Queria informar-lhe que as flores da orquídea da minha casa acabaram de cair e que fatos estranhos surgiram logo após a última pétala encostar no chão.. Cheguei à porta de seu prédio e toquei o interfone a fim de convocá-lo a uma conversa amistosa, já que a última que tivemos, não fora nada convidativa e pouco exacerbada. Chamei-o pelo menos 12 vezes até que o porteiro desceu as escadas e veio falar comigo. Me reconheceu e demonstrou um rosto estranho, talvez por ter lembrado da vez que cheguei na porta do prédio desesperado, em plena chuva monstruosa que caíra na época, e com cara de mendigo abandonado, ensopado, pedira para entrar e ver meu amigo. Encostou-se no portão de entrada e permaneceu a me olhar. Perguntei a ele pelo Cara e logo ele me disse que ele já não morara ali e que seu apartamento estava a venda.

- Mas como estaria a venda? Ele amava aquele lugar, dizia que seus cômodos contavam tantas histórias que gostava de recordar. Como a vez que nos conhecemos e logo ele me apresentou sua casa, de como eu estava assustado, das noites de vinho e chapa quente e de como se vislumbrava ao me ver cozinhar...

Questionei o porteiro quanto a sua certeza e o mesmo apontou a placa de vende-se no seu andar. Ainda sim não acreditei em nada do que ele disse, imaginei a maior traquinagem do mundo e que no final iríamos rir deste desencontro.

Sem muito entender, liguei para casa de seus pais, que por sinal estava ocupado o tempo todo... Não poderia deixar esta inquietação, peguei meu carro e corri até a casa de seus pais para saber o que acontecera, onde ele estava.

Na porta, vi que as coisas não estavam dentro do normal, o jardim de sua casa não era o mesmo, a grama estava seca, mórbida e as flores que ali pairavam, simplesmente estavam murchas. Bati a campainha e fui logo recebido pela empregada que me olhou com a maior cara de pena possível. Guiou-me até a sala onde fui recebido pelo pai dele e sua irmã. Muito assustado eu perguntei pelo Cara, com um sorriso receoso e esperançoso para receber uma frase brincalhona. Obrigaram-me a sentar, mandaram a empregada buscar um copo com água e velozmente o tive em minhas mãos. Comecei a tremer, sabia que daquele momento não tiraria qualquer retorno positivo de sua família, já esperava o pior. Me desesperei.

Fui informado de que ele havia morrido há uma semana, enquanto retornara de uma viagem de carro proveniente do interior de Minas. Senti meu sangue descer todo para as pernas e por um minuto perdi o contato com o mundo, estava ali flutuando em plena sala de estar do meu amigo que agora era dado como morto, como se nunca tivesse existido.

- E agora? O que faria sem ele? Como continuaria minha vida? Mesmo sem conversarmos, ainda sim sentia sua presença, sabia que ele estava ali! Mas e agora? Um pó? Tudo se foi assim?

Logo questionei o porque de não ter sido informado antes, já que havia uma semana após o acontecido. O pai e a filha se olharam e não souberam informar. Calei-me por um longo período. O pai, com os olhos cheios d’água, me abraçou, levantou e subiu as escadas, sabia que não poderia controlar seu choro e não o queria demonstrar a mim, graças a figura de homem que deveria perpetuar ali naquela família. Sua irmã, com olhos de consolo e fervorosos de água, apenas me amparou.

Ela me disse que ele não sofreu, que havia morrido em pleno impacto com outro carro que vinha na contramão, que o funeral aconteceu as pressas e seu corpo havia sido cremado e jogado em seu lugar predileto, que por sinal ele me levou lá uma vez, bem no topo de um mirante particular, que ele nomeara “Nosso”. Não agüentei a pressão naquele momento, chorei muito, perdi o controle e quase o ar. Não era justo! Nada é justo!

Não sei se foi para me confortar ou para me deturpar ainda mais, mas ela me disse que antes dele viajar, o encontrou no computador dela, lendo o post que fiz para ele em meu blog, com lágrimas escorrendo pelo rosto, disse que estava criando coragem para voltar a falar comigo, que havia feito a maior burrada em sua vida e que abrir mão de mim por uma escolha idiota que fiz não era justo.

Não acreditei no que ouvi, em nada, para falar a verdade. Meu amigo, meu melhor amigo, agora estava morto e nunca mais o veria, seus olhos amadores, seu rosto aconchegante, seu abraço amistoso, suas mãos afagando meu cabelo, acalmando-me das escolhas equivocadas que me descontrolavam, simplesmente se tornaram pó e jogados em um lugar para simbolizar uma mera lembrança.

Jesus.

Tudo dói por dentro, mas não sai mais nada para fora. Sem me despedir, sai correndo, peguei meu carro e vim para casa. Não havia ninguém aqui, então, chorei o quanto podia, bebi grande parte das bebidas que continham álcool e fui dormir, não queria ver as próximas cenas desta m*&*#.

Meu Deus! Como isto pôde acontecer?! O Cara que tanto me ajudou! Que me amava de paixão, que mesmo sob diversas condições, me manteve sob suas asas, me protegendo contra qualquer um. Ele iria voltar a conversar comigo se estivesse vivo hoje! De verdade!

Ainda não acredito que esteja morto. Não mesmo. O Cara que me flertou no restaurante há anos atrás, que foi o único que me confortou no enterro do meu avô, que me levou a lugares que nunca irão me levar, que sabia o que eu pensava, que me ensinou a comer Gummy Bear assistindo a filmes de romance, estava reduzido a pó.

Ainda, deitando na cama antes de dormir de embriaguez, lembrei exatamente de como havia sido o dia em que ele me levou no lugar que intitulava “Nosso”. Foi quanto ainda estávamos tendo um relacionamento amoroso, ele pegou seu carro no sábado pela manhã e logo ouvi sua buzina de dentro do meu quarto. Levantei correndo e fui à porta. O Cara! Arrumei-me e pulei no banco do passageiro, ao seu lado, fomos a destino algum, pelo menos eu pensava. Mas no fim das contas paramos em uma cidadezinha daqui de Minas mesmo e curtimos todo o dia no centro da cidade. Percebi que ele havia comprando diversos quitutes e um pano. No fim da tarde, entramos no carro e fomos para um local cuja vista era estrondosa. Paralisei-me ao descer do carro de tão surpreso e impressionado pela vista que observara. Retirando o que havia comprado do porta malas, estendeu um sorriso vigoroso e chamou-me para sentar-se próximo ao desfiladeiro a seguir, encima da grama verde que cobria o local. Ele estendeu o pano no chão, abriu as guloseimas que havia comprado e me ofereceu tudo na boca. Enquanto isso, o lindo e único Sol, se desfazia através das montanhas, a coloração vermelha começara a tomar conta das nuvens e a brisa vinha em meu corpo agradavelmente. Foi o momento exato em que o admirei, quase deitado no pano, apoiado em seu braço direito, ele me flertou por um tempo e depois disse que me amaria para sempre, permaneceu em silêncio a me olhar. Desejei que tudo aquilo durasse para sempre...