domingo, 23 de abril de 2023

Um Amigo de Fortes Virtudes


Não me pergunte “o porquê” e nem como isto ocorreu, mas recentemente lembrei de um antigo amigo. O ano era 1998, tínhamos 14 anos de idade. Não lembro ao certo como, mas rapidamente ELE fez parte da minha vida. “ELE” era um rapaz bonito, cabelos loiros levemente cacheados, olhos verdes, boca vermelha e corpo bem desenvolvido para sua idade, diferente de mim, na puberdade confusa... Tinha uma personalidade forte, agressiva aos olhos externos, mas comigo era um indivíduo extremamente atencioso, carinhoso, zelava pela minha segurança e era companheiro para todas as horas.... acho que posso arriscar e afirmar que éramos o “porto seguro” um do outro.

Eu, na época, era um menino magro e mais frágil que os outros da rua, não era afeminado, mas frágil mesmo, emocionalmente abalado por adversidades que a mim afetavam naquele ano. ELE sempre estava muito perto, todos os dias depois da aula, depois das férias de verão que passava em outra cidade, depois da missa/culto, depois do almoço, enfim, estávamos próximos, juntos para compartilhar nossas vidas que, de uma forma ou de outra, julgávamos complexas e nos fazia unidos. A mãe dele era muito rígida, muito complicada e de uma religião que julgava e recriminava o mundo e ELE, sempre muito inconsequente. Eu, entrando e saindo de consultórios de psicólogos por ser taxado como uma criança agitada/desenfreada, pais tranquilos, mas o mundo complexo demais para a mentalidade de uma criança que nasceu e viveu com o acidente de Chenobyl, Guerra Fria e Guerra do Golfo na tela da TV e seu avô discutindo as questões políticas que envolviam estes entraves e suas futuras consequências, sempre negativas. Haja cabeça para uma criança!

 

Eu sabia muito bem qual era a minha predileção sexual, mas me mantinha calado, pois se a fragilidade já me prejudicava na vida, quem dirá assumir minha sexualidade naquele tempo! Nunca comentamos sobre o assunto, mas por diversas vezes nos víamos em situações complicadas um com o outro, que colocava em check a nossa relação de amigos. Mas como qualquer criança, sem entender muito, “pulávamos” rapidamente estes momentos como se fosse uma música estranha que passava por nossas cabeças e precisava ser esquecida. Hoje entendo cada clima que tivemos e a maturidade para lidar com a situação naquele momento, as loucuras, as aventuras e desventuras em campos minados... Cítrica infância...

 

Mas queria mesmo compartilhar um fato íntimo nosso, um momento que eu posso realmente relatar sem qualquer desconforto.

 

Certa vez estávamos no quarto de um hotel, onde ELE se hospedou, fugindo da sua mãe (ele se passava por um adolescente de 18 anos tranquilamente e conseguiu essa façanha!) e simplesmente ele sentiu uma súbita vontade de tomar banho de banheira, me convidou, mas logo recusei, principalmente por nunca ter ficado nu na frente de um amigo (isso estava na minha cabeça, mas fato é que já tinha ficado sim e com ELE mesmo). Sabendo que eu não iria embora, ele foi para o banheiro e me chamou:

 

- Hey, Mister Thinker! Tudo bem se você não quiser tomar banho de banheira comigo, mas me acompanhe, vamos conversar!

 

Continuei próximo, enquanto via o meu melhor amigo se despir, tirou a blusa e mostrou seu forte peitoral cravado em sua pele clara, tirou o short e ali estavam seus lindos pelos loiros em seus membros inferiores e o auge foi quando tirou a roupa íntima, confesso que não disfarcei. Ali percebi o quanto eu me sentia atraído e hipnotizado por ele que, por sua vez, falava e exibia suas qualidades físicas sem pudor e eu simplesmente prestava atenção nELE, não no que ele dizia, me senti seduzido! Até que ele se atenta:

 

- Mister Thinker, eu estou aqui, olhe para cima e me veja! Está me escutando?

 

Confesso ter ficado estarrecidos quando percebi que ele havia notado que eu estava olhando para suas partes íntimas, mas não escondi dele uma verdade, assustado falei:

 

– Desculpe, mas nunca havia visto um cara pelado assim! (Mentira! Já o vi pelado antes e no mesmo contexto de sedução!)

 

Embora ele soubesse que não era a primeira vez que eu o via nu, optou por expor seu sorriso e reafirmar:


- Ok, mas eu estou aqui (apontou para o seu rosto).

 

Lembro exatamente de ter fechado os olhos e da sensação do meu rosto arder de tanta vergonha, fingir a concentração em seu rosto e a cabeça estar em outro mundo. Não era a primeira vez que passávamos por esta situação, mas a condução sempre era esta, de ignorarmos o fato de que tínhamos atracão um pelo outro e seguirmos nossa amizade.

 

Alguns dias depois, por minha culpa, não éramos mais amigos, na verdade, desaparecemos um da vida do outro, uma abrupta interrupção da nossa relação, por eu não ter sido leal a ele.  Não sabia o que era lealdade e pagaria por isto, ao mesmo tempo que fortaleceria esta virtude que marca hoje todas as searas da minha vida.

 

Como disse lá no começo, não sei o que desencadeou esta lembrança que não recordava há pelo menos 30 anos. Loucura? Saudosismo? Indiferente... Duas coisas me pergunto hoje, mas sem arrependimentos: Será que deveríamos ter dado este importante passo e assumíssemos nossos interesses um pelo outro? Se tivéssemos feito isto, algo em nossas vidas teria mudado?

 

Sem saber a resposta, apenas guardo seu sorriso e suas fortes virtudes de um menino que já era homem e não sabia, mas que teria grandes chances de entrar em enrascadas se não tivesse seu “porto seguro”.


Dream a Little Dream of Me