domingo, 17 de agosto de 2025

O vinho que sabe meu nome

Aniversário. Para alguns, celebração; para outros, um lembrete silencioso de que o tempo avança sem fazer concessões. Ele segue, implacável, e não devolve os dias que leva. Há quem receba a data com euforia. Eu a atravesso com a serenidade de quem, há tempos, caminha pela mesma trilha discreta.


O dia foi simples: passos lentos pela cidade, um almoço em silêncio, pensamentos dispersos. Entre um instante e outro, uma constatação que não é nova, mas se reafirma: vivemos numa era em que o julgamento se apoia mais na superfície do que na essência. É uma pressa para concluir, para decidir, para eleger o que importa — tudo filtrado pela aparência. E, nesse filtro, perde-se muito do que realmente conta. Não é apenas uma questão de idade, mas de um ritmo que privilegia o imediato em detrimento do consistente.


Mais tarde, refugiei-me no piano. Horas inteiras de música, só eu, as teclas e um pouco de vinho branco, como se o tempo suspendesse sua tirania. O som preenchia o espaço, e naquele momento pouco importava quantos aniversários já haviam passado. Não houve festa, mas houve música. Não houve coro, mas o vinho sabia meu nome.


Com o avançar dos anos, a vida revela contornos que a juventude suaviza: o amor quase sempre exige aparência, a ausência de filhos pode ser liberdade ou abandono, a velhice traz consigo um inventário de perdas e a solidão, quando não escolhida, veste-se de independência. Ainda assim, persiste um espaço íntimo onde as pequenas epifanias resistem: a melodia que se encaixa perfeita, o gole que chega no ponto certo, a percepção de que, mesmo sem plateia, existe beleza em permanecer.


Talvez seja esse o verdadeiro legado de cada ano que se encerra: a capacidade de cultivar momentos que não precisam de validação alheia, mas que, no silêncio, registram o esforço de continuar vivo.


No more Sigh